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A Química do Amor

Um tema que está e sempre estará nas bocas e pautas cotidianas é o amor. O amor é um sentimento rico em suas várias vertentes e interpretações. Há quem viva por amor e há quem mate por amor. Há diversos tipos de amor. Hoje eu quero falar sobre um tipo de amor bem específico: o amor romântico, aquele amor cantado nas músicas de Roberto Carlos e chorado nas de Adriana Calcanhoto e dos sem número de sertanejos e pagodeiros.

Começo com uma pergunta provocativa: é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo? Não, não me venha com esse negócio de dizer que sim usando a mãe e a esposa como exemplo. Estou falando do amor Eros. É possível amar simultaneamente duas pessoas em termos afetivo-sexuais? Essa pergunta possui várias respostas e, antes de dar a minha, gostaria de fazer algumas ponderações.

No meu livro didático de inglês, há um texto do qual gosto muito e que é usado como elemento provocador da unidade sobre relacionamentos. O texto, chamado Love Chemistry, foi publicado pela revista Time e apresenta algumas afirmações muito interessantes sobre o amor e a paixão. Resumidamente, diz a revista que o amor romântico e a paixão avassaladora nada mais são do que rótulos que nós, humanos sentimentalóides, usamos para descrever meras reações químicas que ocorrem em nosso corpo, reações essas motivadas por situações envolvendo o sexo oposto (ou até o mesmo sexo, para ser politicamente correto). Possuímos um mapa do amor que durante nossa vida vai registrando tudo aquilo que gostamos e não gostamos nas pessoas. Esse registro é utilizado para decidir se uma pessoa passa ou não passa na nossa triagem afetiva. Se ela apresentar um número de características suficientemente compatíveis com a maioria dos requisitos de nosso mapa, a luz acende: é essa pessoa! Na verdade, o texto afirma que esse tchans é o momento em que surge a paixão. Ela, a paixão, antecederia o amor na cronologia dos relacionamentos.

O texto segue explicando cientificamente as sensações afetivas. A paixão é causada por uma espécie de anfetamina natural produzida pelo cérebro, uma tal de PEA. Essa substância, que existe no chocolate, é a responsável pelo frio na barriga, pelas mãos suadas, coração na boca e por todas as outras sensações que nos assaltam quando balançamos por alguém.

No entanto, depois de um certo tempo, o corpo desenvolve resistência a essa substância. É necessária uma quantidade cada vez maior dela para dar o mesmo efeito, numa espécie de vício. Daí há dois caminhos lógicos a seguir. O primeiro caminho é o caminho do viciado: sem conseguir manter o mesmo nível de excitação do início do relacionamento e incapaz de fazer o movimento de abandono do egocentrismo, a pessoa abandona a relação – pois o fornecedor não dá mais conta de seu vício – e começa tudo de novo, buscando novas paixões, pulando de galho em galho sem nunca parar quieto com um parceiro. Quando o efeito do PEA acaba, acaba junto com ele o relacionamento. Literalmente é o vício de estar sempre apaixonado. No segundo caminho possível, por outro lado, o sentimento fogoso se transforma em um sentimento de companheirismo, sendo a roqueira anfetamina PEA substituída por outra substância também produzida pelo cérebro, uma espécie de endorfina, relaxante, calmante, zen. As coisas mudam: em vez de você gostar de como você se sente perto da pessoa, você passa a gostar do jeito que ela se sente perto de você. Saí o prazer egoísta e entra o prazer altruísta. É a passagem da paixão para o amor, como se fosse assim de Bon Jovi a Beethoven. Por isso que dói tanto quando alguém que amamos morre ou nos deixa: deixamos de ter a dose diária do nosso narcótico. Temos crise de abstinência que, se não tratada, pode levar à loucura e até à morte.

Se entendermos então a paixão e o amor como reações químicas, podemos afirmar que é possível que elas ocorram concomitantemente. Ao mesmo tempo em que tenho um amor companheiro e altruísta, posso cair na tentação de emoções disparadas por uma situação conspiratória nova que produza o frio na barriga, as mãos suadas, etc e tal. Posso então amar e estar apaixonado ao mesmo tempo. Eu concordo com isso, sendo essa minha resposta para a pergunta provocativa colocada lá em cima. Amar duas pessoas? Não. Amar uma e se apaixonar por outra? É possível. No entanto, há ainda outras questões que se desdobram aqui.

Pensemos nas combinações. Primeira combinação: você pode estar apaixonado por alguém e não amá-lo. Você gosta de estar junto, curtir um chamego, misturar calorzinhos. E só. E só isso pode ser muito bom. Digamos que seja o típico ficar da moçada. Paixão instantânea. Corpo. Segunda combinação: você pode amar uma pessoa e não estar mais apaixonada por ela. Você quer tudo de bom para ela, se preocupa com seu bem-estar, com sua felicidade. Alma. Mas aquela sensação de coração disparado há muito não mais lhe visita. E você ama tão verdadeiramente a pessoa que é capaz de sacrificar sua própria felicidade na vida afetiva, permanecendo junto a ela até o fim da vida, só para não machucá-la. Há milhares de casais que vivem esse tipo amor. Terceira opção lógica: você pode amar e ser apaixonado pela mesma pessoa. Essa é a meu ver a situação ideal para um relacionamento. Nem só rock, nem só música clássica. Tudo tem seu momento. No entanto, essa perfeição requer muita coisa.

Pelo lado do amor requer, por exemplo, querer bem ao outro sem medida, evitar machucá-lo a todo custo. Fazer tudo o que for possível para seu conforto e bem estar físico e psíquico, priorizá-lo, pô-lo em primeiro plano. Tratá-lo não como nota de rodapé, mas como página principal da sua vida. Pelo lado da paixão, requer descobrir a capacidade de descobrir um ao outro a cada dia, como se fosse o primeiro dia. Requer fazer loucuras de amor típicas dos apaixonados mesmo aos vinte anos de casado. Requer, do nada e sem motivo, saber provocar momentos de encantamento, com um tradicional, mas sempre eficiente, buquê de rosas ou com um filé ao vinho feito especialmente para um jantar a dois. Requer telefonar para o outro do nada ou mandar um torpedo de celular só para dizer o quanto gostaria de estar junto dele, o quanto o ama. Ou mandar um cartão por e-mail do trabalho naqueles dois minutinhos em que o chefe desgruda. Requer, por fim e entre outras coisas, descobrir como manter aceso o brilho no olhar do primeiro contato e a admiração pelo outro, que para mim é a super bonder das relações. Essas combinações são válidas, diga-se, para um relacionamento a dois: ou só paixão, ou só amor ou amor e paixão.

Mas pode acontecer dos espaços não ocupados virem a ter candidatos a complementar a equação. Se há amor e paixão entre um casal, não há espaço para mais ninguém. Se há só paixão fogosa, há espaço para um amor, que surgirá de outra paixão que depois vire esse amor. Se há só amor, o espaço da paixão, da pele, do desejo e da atração pode vir a ser pleiteado por um terceiro elemento, com ou sem risco para o amor. Será que sem risco? Bom aqui tem outro xis na questão.

Quem define as bordas entre amor e paixão é quem vive as situações. Se há espaço para novas paixões em um relacionamento onde há amor altruísta, esse espaço pode ser preenchido automaticamente por uma aventura que lhe faça suar de prazer. Ou pode ser visto como um sintoma de que a relação não anda lá bem das pernas, sendo necessário encarar o famoso “precisamos discutir a relação”. É mais ou menos como aqueles remédios para dor de dente comprados na taberna do Seu Nóbrega que minha mãe usava na gente quando nossos panelões doíam. A dor passava na hora, mas depois voltava doendo mais forte. O negócio era mesmo tratar a causa da dor na cadeira do Dr. Altair.

Todos somos seres humanos e por isso vulneráveis. Todos desejamos e fantasiamos com outras pessoas além de nossos parceiros. Que menina gostosa! Que cara sarado! Wow, se eu pego essa aí! Olha que pitchula… Isso é normal. Desejar e fantasiar exercita a mente e sinceramente acho que é saudável porque funciona como a válvula da panela de pressão, deixando sair o excesso para não explodir. Reprimir o desejo é criar neuroses, já nos dizia o velho Sigmund. Possibilitar, permitir e concretizar o desejo de um terceiro no jogo são outros quinhentos. Se pode haver um ganho pelo preenchimento de um prazer desejado, pode igualmente haver a perda da capacidade de reconhecer que algo está errado e que precisa ser revisto. Não há escolhas só com ganhos. Toda escolha tem perdas. E essa é uma escolha que pode pôr tudo a perder numa relação construída em uma sociedade como a nossa, oficialmente monogâmica. Pode botar a perder inclusive um grande amor que apenas está mal cuidado. Chupando a frase do Guilherme Arantes, será que vale a pena tanta loucura por tão pouca aventura?

Talvez explicar relações pela ciência e por reações químicas não convença ninguém. Talvez você ache que sou idealista demais ou hipócrita demais. Talvez, quem sabe, eu tenha mesmo simplificado algo que sempre fugirá da nossa capacidade de compreensão, esse sentimento belo e complicado chamado amor. O que continuo afirmando, no entanto, é que imperioso não esquecer que em última instância somos nós que escolhemos entre as opções que a vida nos traz. É pesar e ver onde há mais ganhos e menos perda. A opção pelas perdas é masoquismo. Diz a Neila, a menina que limpa e arruma aqui em casa, que nessa hora a gente deve se concentrar mesmo é nos ganhos, ignorar solenemente as perdas e ser muito muito feliz. Concordo.

Sérgio Freire

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