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Rédeas do Tempo

O tempo gosta de nos ensinar algumas coisas quando já estamos ficando velhos. Inteligente é quem usa o aprendizado para melhorar a qualidade de vida. Triste de quem não aprende com a trilha da própria existência.

Entre algumas lições, aprendi, com a meia idade, que amor bom é o amor manso. Nada de ciúmes desgastadores, brigas agressivas, dormir sem se falar. Nenhum amor vale a pena se o sofrimento é maior do que o sorriso manhoso e cúmplice da companhia escolhida. A paixão, ao contrário do que andam pregando por aí, não é agoniada, rápida, falta de controle. A paixão mesmo, que os mais velhos conhecem, é tranquila, se demora, é dirigida e digerida. A paixão é materialização do amor real. Mas por que só se aprende isso depois de certo tempo?

O senhor tempo me ensinou também a entender a história. Um dia já fui possessivo, insuportável. Queria saber tudo de todos, controlar o mundo. Ser eu a escrever os textos alheios. Hoje, se sei o suficiente para ser feliz, agradeço ao bom Deus antes de dormir. É o que me basta para começar um novo dia. Não posso controlar o que os outros pensam e dizem, mas tenho absoluto controle sobre como reajo a isso. Esse é meu campo de ação. É aqui que eu me equilibro. Santa descoberta! Mas por que só se aprende isso depois de certo tempo?

Já tive ciúmes retroativos de quem amei, achando que esse ciúme de uma vida da qual não fazia parte era prova de que meu amor era grande, transcendia o tempo. Ledo engano. Boba ilusão. Quem eu amo não seria quem é sem ter percorrido seus caminhos e desviado por seus descaminhos. Como eu. Por um capricho do destino, cruzei no Twitter com a sobrinha de uma paixão antiga, minha quase ex-futura sobrinha. Foi bom lembrar. Concluo que o que passei e senti com outras mulheres só apurou e decantou meus quereres para usar hoje. Simples, hein! Mas por que a gente só entende depois de certo tempo?

Aprendi que o relacionamento com quem se gosta passa necessariamente por si. Como gostar sem se gostar? Primeiro é nós, Queiróz. Egoísmo? Nada… A máscara de oxigênio primeiro na gente e depois no outro para encarar as despressurizações e pressurizações do avião da vida. Fortes, somos fortes para amar. Fracos, somos fracos para amar. Se o outro não nos fortalece, nos enfraquece. Lógica. E se enfraquece, ficar juntos não é masoquismo? Mas por que só se aprende isso depois de certo tempo?

Pois é. Meu toque, do alto dos meus quarenta anos: apaixone-se sem controle para aprender e apreender a paixão mansa. Gaste toda sua possessividade para saber que o amor real não prende, não tira o ar. Ao contrário, o amor de verdade dá e quer pastos, quer correr nos campos, sem amarras, sem coleiras, sem cóleras. Quer ir para poder voltar. E volta porque quer. Porque se sente aconchegado. Porque se sente pertencido. Quanto ao ciúme, tenha ciúmes, mas um ciúme manso, regulador de seu querer e não do querer do outro. Ciúme raivoso é a gota de fel que azeda o doce néctar da vida a dois. Por fim, se ame. Obamamente, Yes! We can! Vá lá e faça. Seja feliz. Sem ser feliz essa coisa doida de viver não vale a pena. E para isso não precisa esperar a lição do tempo. Basta olhar com olhos com querência de aprender para qualquer criança. As crianças nos ensinam que a felicidade é simples como uma caixa de fósforos, que num desejo vira uma casinha de uma família grande, de gente igual, magra e cabeçuda.

O rabisco do mapa de seus caminhos é feito por você. Ainda dá tempo de tomar o lápis dos outros. Há sempre um tempo para quem se perdeu ter nova chance de se encontrar. Há sempre tempo para tomar as rédeas de seu tempo. Tempo. É a palavra-chave. E aí? Vai ficar aí parado?

Sérgio Freire

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