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Metade

Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca, porque metade de mim é o que eu grito; a outra metade é silêncio...

Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que tristeza. Que a mulher que amo seja pra sempre amada mesmo que distante, porque metade de mim é partida; a outra metade é saudade...

Que as palavras que falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor: Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos, porque metade de mim é o que ouço; a outra metade é o que calo...

Que a minha vontade de ir embora se transforme na calma e paz que mereço. Que a tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada, porque metade de mim é o que penso; a outra metade um vulcão!

Que o medo da solidão se afaste e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável. Que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso que me lembro ter dado na infância, porque metade de mim é a lembrança do que fui; a outra metade não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito. E que o seu silêncio me fale cada vez mais, porque metade de mim é abrigo; a outra metade é cansaço...

Que a arte me aponte uma resposta mesmo que ela mesma não saiba. E que ninguém a tente complicar, pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer, porque metade de mim é plateia; a outra metade é canção...

Que a minha loucura seja perdoada 
porque metade de mim é amor
e a outra metade também.

Oswaldo Montenegro

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