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Pontuando a Existência

Todos nós estudamos pontuação na escola. Abra a gramática e as regras estarão lá. Estava pensando aqui: as pessoas são como sinais de pontuação.

Há pessoas pontos, que têm seus conceitos e não mudam de opinião. É aquilo e pronto. Ponto. Inútil discutir. Os pontos são irredutíveis, uns cabeças-duras. Pelos menos os pontos parágrafos. Os pontos seguidos são mais flexíveis. Com uma boa argumentação são capazes de se dobrar para continuar a vida sem muito sofrimento. Ambos se opõem aos vírgulas.

Os vírgulas são bon vivants. Para eles, o mundo não pode esperar. Querem continuar, seguir, viver, deixar a vida correr. Vão na onda do momento, no fluxo. Enquanto os pontos param, os vírgulas seguem. Sempre.

Entre os dois, há os ponto-e-vírgulas. Nem tão teimosos quantos os pontos, nem tão impetuosos quanto os vírgulas, os ponto-e-vírgulas seguem o curso da vida, mas fazem pausas estratégicas para respirar, tomar fôlego, fazer ajustes finos. Os ponto-e-vírgulas não estagnam, pois é preciso seguir adiante. Se for preciso, refazem conceitos e vão em frente. Regra geral, eles têm a cabeça no lugar. A sociedade adora os raros ponto-e-vírgulas.

Há as pessoas dois pontos. Essas dão a impressão de que vão fazer e não fazem. Prometem e não cumprem. Parece que vai, mas não vai. Criam uma falsa expectativa, pois anunciam e não concluem, deixando a impressão de que algo faltou. Os dois pontos só têm arranque. São procrastinadores. Gente boa, mas que logo caem no descrédito porque suas delongas são recorrentes e previsíveis.

Difíceis são as pessoas pontos de interrogação. Umas incógnitas. É duro conviver com elas porque nunca se sabe como reagirão. São de lua. Seus comportamentos são imprevisíveis. Com os interrogações não dá para fazer planos. Sua marca registrada é a dúvida. Não são quentes nem frios, mas podem ser quentes e frios. Ou mornos. Nunca se sabe.

Parentes dos interrogações, os reticências são diferentes. Enquanto os interrogações dizem e surpreendem, os reticências calam ao dizer. Não precisam falar para ser entendidos. Irônicos ou sarcásticos, os reticências deixam seu recado. Não se dão bem com os pontos nem com os exclamações: incompatibilidade de gênios.

Os exclamações fazem questão de dizer o que pensam. Enfatizam quem são, a que vieram e às vezes confundem sinceridade com falta de educação. Gostam de ser o centro das atenções, precisam ser notados, como seus primos itálicos. As pessoas tendem a se afastar quando percebem que estão lidando com os exclamações. Ninguém gosta muito de gente bojuda.

E os aspas? Os aspas são aqueles que só repetem o que os outros dizem. Raramente têm opiniões próprias. São influenciáveis e marias-vão-com-as-outras. Há muitos aspas por aí. Há aspas especializados em bajular o chefe: os aspones.

Na vida é assim. Há os cabeças-duras, os porras-loucas, os razoáveis. Os proteladores, os imprevisíveis e os enxeridos. Os sem-identidades, os aglutinantes que juntam (os crases), os desagregadores que dividem (os barras), os diferentes em tudo (os travessões) e os prolixos que explicam o desnecessário (os parênteses).

No geral, que tipo de pontuação você é, leitor? Conhecer-se é fundamental. Só fica bem no texto da sua história quem aprende a dominar a gramática da vida para lidar com as diferenças. Isso é fato. Ponto.

Sérgio Freire

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