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Nada Se Perde, Tudo Se Transforma



Em nossa existência, nada vem de graça, tudo tem seu preço. Há ganhos que se transformam em perdas e perdas que, por incrível que pareça, se transformam em ganhos. Você pode ter perdido algo ou alguém - um amor, um amigo -, mas em compensação aprendeu alguma coisa. A vida é assim: cheia de contradições, de paradoxos. E tudo é aproveitável, mesmo as decepções, os reveses, as frustrações.

A frase do célebre poeta português Fernando Pessoa "eu sou aquilo que perdi" explica bem isso. Ela mostra que é a forma como reagimos às perdas que determina nossa trajetória. São justamente as curvas imprevistas no caminho que definem para onde vamos e que revelam nossa força e nossa coragem.

Por que algumas pessoas reagem melhor à adversidade do que outras? Por que algumas logo dão a volta por cima depois de cair do cavalo? A vida é uma corrida de obstáculos. Apesar de não escolhermos a quantidade de dificuldades que teremos de enfrentar, podemos escolher como vamos enfrentá-las.

Todas as pessoas têm uma capacidade individual, inata ou adquirida, de lutar. Lutar é preciso, até mesmo para descobrir as próprias forças e os próprios limites. Ninguém escapa de lutar bravamente contra alguma dificuldade. Então, a diferença não está em quem batalhou e quem não batalhou. Está na forma de cada um se sentir, se perceber - como vítima ou como sobrevivente.

Quem são as vítimas? Vítimas são as pessoas que ficam paralisadas, sentem-se impotentes diante da realidade, sem poder para mudar o que precisa ser mudado. Enquanto os sobreviventes são todos os que continuam lutando e, apesar das circunstâncias adversas, aprendem que lutar custa muito, mas não lutar custa mais ainda. Sabemos que não temos controle sobre tudo o que acontece à nossa volta, mas de certa forma somos co-autores do nosso destino. Apesar dos pesares, existe uma fome de dar um rumo, um sentido à própria vida. Existe uma fome de felicidade.

Esperança é uma "espera feliz"

Temos entre as mãos um espaço que tentamos preencher com nossos sonhos. O problema é que um dia acreditamos em nós mesmos, na vida e no outro, mas no dia seguinte não acreditamos mais - e é entre esses dois pólos que ficam contidas as alegrias do paraíso e todas as angústias do inferno.

Entretanto, não são as alegrias ou as tristezas as coisas mais importantes em nossas vidas. O que importa mesmo é um sentimento que está infiltrado na nossa pele, nos nossos músculos e nervos: a esperança.

Esperança nós criamos e recriamos, porque ela é um desejo que mora no coração dos homens: é desejo de acreditar. Porém, é ainda mais do que desejo, é necessidade de acreditar no outro, no futuro, na vida. Todos precisamos de esperança para sustentar o presente e nos impulsionar para o futuro, ou seja, ter esperança de encontrar algo ou alguém, de ser correspondido.

Nesse sentido, pode-se dizer que é bom ser "maníaco por felicidade", isto é, teimar em querer se conhecer, se amar, se fazer amar, se compreender, se fazer compreender, se encontrar, se fazer encontrar. E, além do mais, teimar em ter esperança.

Esperança não é uma espera qualquer, é uma "espera feliz". É esperar por aquilo que se deseja. É aguardar, contar com, acreditar que se vai conseguir e também acreditar no acaso. Na vida, existem momentos-surpresa de infelicidade - um minidivórcio, um desencontro -, como há também momentos-surpresa de felicidade - um desejo transbordante, uma fascinação -, mas a vida não é só uma espécie de roleta emocional em que tudo depende só do acaso. Essa mistura estranha que chamamos de felicidade não cai do céu. É em grande parte fruto de nosso esforço. Por isso, é bom se mexer, pois quando só esperamos a felicidade, em vez de produzi-la, perdemos a consciência dos nossos próprios recursos, da nossa força e do nosso valor.

Todos nós temos um desejo de ser feliz, mas esse desejo muitas vezes se frustra. Vem um sonho, e logo ele desaparece, se apaga, vem outro e... nada. Nesse vaivém, alguns perdem a esperança, mas muitos continuam a acreditar.

Acontece que a vida é um processo, um lento processo de aprendizado. Viver é crescer, e o crescimento acontece sempre devagar, não é como colocar uma moeda numa dessas máquinas que vendem chocolate e refrigerante e, instantaneamente, obter o chiclete da felicidade.

No nosso encontro com o destino, vamos aprendendo a lidar com os imprevistos, com o perigo. Portanto, não adianta acreditar que não existem abismos na estrada da vida. O importante é atravessá-los, superá-los construindo pontes.

Mas essa é uma questão difícil: como se constrói uma ponte? Quando deparamos com um abismo e não sabemos como atravessá-lo, lançamos uma corda sobre ele. Às vezes dá certo, às vezes erramos, e a corda não se fixa do outro lado.

Sabemos que o amor é a corda, com ele se faz uma ponte, se tece uma ligação, mas todos temos medo do poder que o amor tem de criar e de destruir. Não é segredo que ele tanto pode alterar o nosso mundo amanhã quanto pode tornar a mudá-lo depois de amanhã. Entretanto, só se aprende tentando.

De repente, acontece um duplo contato e daí surge um amor tecido, trançado, mesclado, um vaivém, uma espécie de entrelaçamento. Esse é um amor que, por sua vez, faz aparecer, engendra, dá forma ao nosso sonho de felicidade.

Maria Helena Matarazzo

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