Skip to main content

Despedida do Amor

Existem duas dores de amor. A primeira é quando a relação termina e a gente, seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro, com a sensação de rejeição e com a falta de perspectiva, já que ainda estamos tão envolvidos que não conseguimos ver luz no fim do túnel.

A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.

Você deve achar que eu bebi. Se a luz está sendo vista, adeus dor, não seria assim? Mais ou menos. Há, como falei, duas dores. A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços, a dor de virar desimportante para o ser amado. Mas quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida: a dor de abandonar o amor que sentíamos. A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre, sem sentimento especial por ninguém. Dói também.

Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou. Muitas pessoas reclamam por não conseguirem se desprender de alguém. É que, sem se darem conta, não querem se desprender. Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um souvenir de uma época bonita que foi vivida, passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação com a qual a gente se apega.

Faz parte de nós. Queremos, logicamente, voltar a ser alegres e disponíveis, mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi caro por muito tempo, que de certa maneira entranhou-se na gente e que só com muito esforço é possível alforriar.

É uma dor mais amena, quase imperceptível. Talvez, por isso, costuma durar mais do que a dor-de-cotovelo propriamente dita. É uma dor que nos confunde. Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra. A pessoa que nos deixou já não nos interessa mais, mas interessa o amor que sentíamos por ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos, que nos colocava dentro das estatísticas: eu amo, logo existo.

Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente.

Martha Medeiros

Comments

Popular posts from this blog

A Vida é uma Porcaria

Sim, a vida é mesmo uma porcaria! Não importa se você é rico, pobre, alto, magro, gordo, feio, bonito, famoso, forte, fraco, tímido, divorciado, casado, com filhos, com netos, bêbado, sóbrio ou ainda burro e ignorante. A vida é uma porcaria. Como eu sei disso? É bem óbvio. Basta observar as pessoas por aí. Existem dois tipos de pessoas. As que sabem que a vida é uma porcaria, como eu e aquelas que por algum motivo cretino tirado de não sei aonde, acham que a vida deve ser boa, ou melhor, que é boa. Eu explico. Na vida de todo mundo, sempre vão acontecer mais coisas ruins do que coisas boas, seja por azar, seja por inapetência, seja por vingança ou até por uma questão de expectativas. Basta olhar os animais nos documentários da TV, vocês já viram o inferno que eles passam para comer e fazer sexo? As vezes eles passam uma semana inteira no “rock and roll” para comer uma droga de um rato (no caso das corujas, coitadas). E os gafanhotos que finalmente quando conseguem copul...

HOJE: Lembrar de Esquecer Você

Hoje eu lembrei de esquecer você mais um pouquinho. O plano está dando certo porque nem precisei apelar pro recadinho que colei na porta da geladeira. Aos poucos consigo te enxergar como uma pessoa normal, comum, exatamente como eu. Não preciso mais olhar lá pra cima, na direção da admiração sublime, para te ver... Faz parte. Não, quer dizer, fez parte. Acho mesmo que meu maior receio era me deixar perdido dentro de você e ir embora. Como me reencontraria? Como seria o recomeço faltando pedaços? Mas isso tudo é lenda que as pessoas inseguras nos contam. O desapego ocorre aos poucos, devagar. A gente vai lembrando menos, falando menos, tocando menos. A gente elege outras prioridades, inventa novas necessidades e vai seguindo assim. Acontece mais ou menos como viver um conto de fadas ao contrário: Cria novos heróis para esquecer os vilões que, acredite, um dia foram heróis. É uma conta que não bate, mas quem disse que existe lógica em tudo?! Não quero encontrar lógica...

O Lado Fatal

I Quando meu amado morreu, não pude acreditar: andei pelo quarto sozinha repetindo baixo: "Não acredito, não acredito." Beijei sua boca ainda morna, acarinhei seu cabelo crespo, tirei sua pesada aliança de prata com meu nome e botei no dedo. Ficou larga demais, mas mesmo assim eu uso. Muita gente veio e se foi. Olharam, me abraçaram, choraram, todos com ar de incrédula orfandade. Aquele de quem hoje falam e escrevem (ou aos poucos vão-se esquecendo) é muito menos do que este, deitado em meu coração, meu amante e meu menino ainda. II Deus (ou foi a Morte?) golpeou com sua pesada foice o coração do meu amado (não se vê a ferida, mas rasgou o meu também). Ele abriu os olhos, com ar deslumbrado, disse bem alto meu nome no quarto de hospital, e partiu. Quando se foram também os médicos e sua máquinas inúteis, ficamos sós: a Morte (ou foi Deus?) o meu amado e eu. Enterrei o rosto na curva do seu ombro como sempre fazia, disse as palavras de amor que costumávamos trocar. O silêncio ...