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Não Pense Duas Vezes



A felicidade é um susto. Chega na calada da noite, na fala do dia, no improviso das horas. Chega sem chegar, insinua mais que propõe.

Felicidade é animal arisco. Tem que ser adimirada à distância porque não aceita a jaula que preparamos para ela. Vê-la solta e livre no campo, correndo com sua velocidade tão elegante é uma sublime forma de possuí-la. 

Felicidade é chuva que cai na madrugada, quando dormimos. O que vemos é a terra agradecida, pronta para fecundar o que nela está sepultado, aguardando a hora da ressurreição.

Felicidade é coisa que não tem nome. É silêncio que perpassa os dias tornando-os mais belos e falantes. 

Felicidade é carinho de mãe em situação de desespero. É olhar de amigo em horas de abandono. É fala calmante em instantes de desconsolo. 

Felicidade é palavra pouca que diz muito. É frase dita na hora certa e que vale por livros inteiros. Eu busco a frase de cada dia, o poema que me espera na esquina, o recado de Deus escrito na minha geladeira. Eu vivo assim: Sem doma, sem dona, sem porteiras, porque a felicidade é meu destino de honra, meu brasão e minha bandeira. 

Eu quero a felicidade de toda hora. Não quero o rancor, não quero o alarde dos artifícios das palavras comuns, nem tampouco o amor que deseja aprisionar meu sonho em suas gaiolas tão mesquinhas. O que quero é o olhar de Jesus refletido no olhar de quem amo. Isso sim é felicidade sem medidas. 

O café quente na tarde fria, a conversa tão cheia de humor, o choro vez em quando. Felicidades pequenas... 

O olhar da criança que me acompanha do colo da mãe, e que depois, à distância, sorri segura, porque sabe que eu não a levarei de seu lugar preferido. 

A felicidade é coisa sem jeito, mas com ela eu me ajeito. Não forço para que seja como quero, apenas acolho sua chegada, quando menos espero.

E então sorrio, como quem sabe, que quando ela chega, o melhor é não dispersar as forças. E aí sou feliz por inteiro na pequena parte que me cabe. 

O que hoje você tem diante dos olhos? Merece um sorriso? Não pense duas vezes...

Pe. Fábio de Melo, SCJ

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