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Comparar é Negar o Outro

De Amor e seus danos me fiz lavrador; Semeava amor e colhia enganos. [Luís de Camões]

As pessoas vivem fazendo comparações. Comparam-se com outras e também comparam as pessoas entre si. Não se dão conta de que comparar é negar a beleza que existe em cada um. Quando você entra nesse esquema de comparações, alguém sempre sai perdendo. E quem perde geralmente é você mesmo. Imagine quando você comenta ou pensa:

"O Marcos era mais carinhoso que você..." (perceba como você se sente infeliz agora);

"A Sônia era mais batalhadora que você..." (e ela não está mais com você); "Se eu fosse tão refinado quanto o Mário..." (você se sente tão inferior assim?).

Ao se comparar com alguém, você se impede de ver quanto o outro é único e especial. O Silvio não será exatamente o Sílvio, mas a continuação do Manuel, que por sua vez é a continuação do Sérgio. E se você compara a pessoa que está com você com outra, do passado, significa dizer que você bebe, sempre, com o gosto da bebida anterior deixada no outro copo. E a bebida de agora é que sai perdendo...

Cada um de nós é o que é, tem a sua própria essência. E quem não se sente aceito não tem motivo para mudar. Querer mudanças radicais é não aceitar a essência do outro. As mudanças precisam ser operadas, sim, mas mediante um crescimento individual e também como conseqüência do relacionamento. Você tem determinada altura e não pode diminuí-la nem aumentá-la. A aceitação desse fato é fundamental para você viver bem, abaixando a cabeça quando a entrada for baixa ou ficando na ponta dos pés quando precisar alcançar algo que está num ponto muito alto para você.

Certamente, você poderá conquistar objetos materiais, mas aspectos da personalidade são estruturas existentes há muito tempo e que só vagarosamente podem se modificar, mesmo assim apenas quando a pessoa decide mudar. Comparar é diferente de admirar, pois a admiração cria uma motivação para evoluir, enquanto a comparação cria um sentimento de inferioridade. Se você, por exemplo, admira o casamento de um amigo que é feliz, alguma inspiração pode sair daí para que sua vida também seja mais harmoniosa. Admire as virtudes do casamento dele, mas não deixe de valorizar os aspectos positivos do seu relacionamento.

O outro é do jeito que é em razão de sua história e não porque está com você. Entendê-lo é o primeiro passo para ajudá-lo a evoluir. Tenha em mente que ele é desse modo porque foi assim que desenvolveu a sua personalidade. Por certo, em outras situações da vida dele, tais características também se manifestam e o fazem sofrer. Ele não é neurótico porque conheceu você, mas porque assim se desenvolveu.

Um depoimento interessante reflete o que pode acontecer entre duas pessoas. Estávamos os dois a sós, mas eu percebia nele outras personalidades. O homem com quem eu estava se desdobrava em três: um era o homem que eu acreditava que ele fosse; o outro, o que ele acreditava ser; e o terceiro, o que ele era realmente.

Apesar de eu o ter como companheiro, de meu amor por ele vir do fundo do meu ser e de eu revelar a ele meus segredos mais íntimos, deixando-o entrar em mim, buscando uma sintonia maior do que a vivida até então, essa escolha revelava muito de mim. Muito do que nós vivíamos só acontecia na minha imaginação. Com alguma atenção eu podia perceber que, no íntimo, eu vivia projetando imagens e que, com base nelas, eu o havia escolhido.

Eu podia, também, ver refletida nos olhos dele a minha própria imagem se desdobrando em três." As características básicas das pessoas que procuramos coincidem ou se opõem, na maioria das vezes, às de alguma pessoa especial e importante da nossa infância.

Quando as pessoas iniciam uma nova relação, geralmente vêem o outro como uma pessoa diferente dos parceiros anteriores, como alguém especial.

Porém, a medida que os problemas vão surgindo, começam as comparações com o último relacionamento e, depois de algum tempo, reafirma-se a crença negativa de que amar não dá certo. Freqüentemente ouvimos a afirmação: "Eu não dou sorte mesmo; comigo as situações se repetem. Sempre me apaixono pela pessoa errada".

Alguma vez você já experimentou essa sensação? Porém, em lugar de se queixar, parou para pensar que pontos em comum têm essas pessoas com as quais você se envolve e que, depois de um certo tempo, apresentam os mesmos defeitos e comportamentos? Quando, num relacionamento, não amamos o outro como realmente ele é, mas como uma imagem que construímos, inevitavelmente criamos frustração para ambos.

O desinteresse e o desencanto serão nossos eternos companheiros. Quando vem a desilusão, partimos de novo em busca de alguém que personifique a tal imagem.

Embora não se leve em consideração, é útil a análise do "curriculum amoroso" de uma pessoa. Se ela começa uma relação nova a cada curto espaço de tempo, então o prognóstico não é bom. Mas isso não quer dizer que ela não possa alterar esse comportamento, se decidir investir no amor.

Para amar alguém é preciso analisar se a pessoa que buscamos pode existir de fato ou se só faz parte das nossas fantasias, como um príncipe (ou princesa) encantado que, além de freqüentar as páginas dos contos de fadas, só existe na nossa imaginação. Enquanto vivermos sob o domínio das nossas fantasias, com sistemas de comparações, jamais amaremos alguém com intensidade. Amamos nos sonhos e ficamos sozinhos quando estamos acordados.

O texto a seguir caracteriza bem a pessoa que sempre procura alguém ideal:

"Enquanto o parceiro ideal não chega, eu vou bebendo muito, fumando e deixando a vida correr. Mas, quando ele aparecer, vou ter uma vida calma no campo. Bem... afinal, só tenho 20 anos...

Enquanto ele não chega, resolvo trabalhar muito, ler tudo o que puder, aproveitar as gulodices da vida. Quando ele chegar, eu quero estar em boa situação financeira, para curtir a vida com ele. Afinal, só tenho mesmo 30 anos...

Ele ainda não chegou. É verdade que agora já não tenho um corpinho jovem nem aquela disposição toda, faço exercícios, mas eles são um pouco mais lentos. Compreendo que o meu par ideal demora, mas sei que ele virá. Afinal, ainda tenho 40 anos.

Quanta cultura e sabedoria acumulei durante todos esses anos... Agora, já não me serve qualquer um. Não gosto de qualquer conversa e já não tolero determinadas atitudes. Tenho 50 anos e ainda espero encontrá-lo, mas agora que estou madura sei exatamente o que quero...

A realidade me acordou hoje, somente aos 60 anos...

Meu coração bate com uma certa tristeza!

Neste momento, penso em quantos amores interessantes cruzaram o meu caminho... Por onde seguiram? Estão sozinhos como eu? Por que descartei tantas chances não ideais? Por que tanta intolerância?

Quando José me pediu para vestir azul, percebi que era o branco que me atraía. Quando Antônio me pediu para usar o branco, encontrei a beleza no verde.

Hoje a maturidade me revela: não era nem o azul nem o branco... A cor realmente não importava. Eu era apenas um botão, pronto para desabrochar, e ninguém percebeu isso. Nem mesmo eu, que estava preocupada em esconder-me com o azul ou com o branco.

Roberto Shinyashiki

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