Skip to main content

[Entrevista] O Amor Não é Cego



Folha - O que significa amar de olhos abertos?
Jorge Bucay - Gosto de uma definição que diz que o amor é a simples alegria pela existência do outro. Não é possessão, nem felicidade necessariamente. E por isso "com os olhos abertos". O amor cego não aceita o outro verdadeiramente como ele é.

Folha - Por que tanta gente prefere a intensidade da paixão, mesmo sabendo que é efêmera, a construir algo mais sólido?
Jorge Bucay - É maravilhoso estar apaixonado e muitos preferem a intensidade superficial à profundidade eterna. Mas me pergunto como as pessoas pensam em ficar somente nisso. Qual o sentido de estar apaixonado perdidamente o tempo todo? Penso que é uma questão de maturidade.
Também tem a ver com a nossa sociedade, que adora emoções intensas. Procuramos correr mais rápido, chegar antes, desfrutar intensamente. A paixão é como uma droga: no seu momento fugaz faz pensar que você é feliz e não precisa de mais nada. Um olhar, uma palavra te levam aos melhores lugares.

Folha - Como construir uma relação mais profunda?
Jorge Bucay - Seria bom estar preparado para saber que a paixão acaba. Amadurecer significa também desfrutar das coisas que o amor dá, como compartilhar o silêncio e não um beijo; saber que a pessoa está ali, ainda que não esteja ao meu lado. É preciso abrir os olhos, e isso é uma decisão. Ver o par na sua essência.
Mas primeiro é preciso estar bem consigo mesmo. Não se deve procurar o sentido da própria vida no companheiro ou nos filhos.
Você deve responder a três perguntas básicas nesta ordem: quem sou, aonde vou e com quem. É preciso que eu me conheça antes de te conhecer e que decida meu caminho antes de compartilhá-lo. Senão, é o outro quem vai dizer quem eu sou. E isso é uma carga muito grande.

Folha - As relações duram o que têm que durar, sejam semanas, seja uma vida?
Jorge Bucay - Duram enquanto permitem que ambos cresçam. Significa conhecer-se, gostar de si mesmo, conhecer seus recursos e desenvolvê-los. Ao lado da pessoa amada, está a melhor oportunidade para isso. E essa é uma condição para construir um relacionamento. Um casal que não cresce, envelhece. E um casal que envelhece, morre.

Folha - O que leva ao fracasso?
Jorge Bucay - Um dos grandes motivos de fracasso é não trocar intensidade por profundidade, viver querendo voltar aos tempos da paixão. Outro ponto de conflito é que as pessoas não conseguem deixar o papel que desempenhavam antes de casar, querem continuar sendo o "filhinho da mamãe", ou o "caçulinha da casa". Outro problema é a intolerância, a incapacidade de aceitar as diferenças, as pessoas discutem pelo dinheiro, pela criação dos filhos e, por fim, morrem sufocadas pela rotina.

Folha - E como enfrentar esses problemas ou desafios?
Jorge Bucay - É preciso amor, atração e confiança. Comparo esses pilares a uma mesa de três pés. O tampo da mesa seria um projeto comum firme. Se faltar qualquer um desses elementos, a mesa cai. E sobre tudo isso deve-se montar outras coisas, como a capacidade de trabalhar juntos, de rir das mesmas coisas, de ser sexualmente compatíveis, sentir o outro como um apoio nos momentos difíceis. Às vezes a terapia ajuda, às vezes é um bom passaporte para a separação.

Folha - Como saber quando a relação chegou ao fim?
Jorge Bucay - Se sinto que estou sempre no mesmo lugar, que me entedio, que não tenho vontade de estar com o outro, se sempre que saímos precisamos sair com outros casais pois não ficamos bem sozinhos, quando piadas como "o idiota do meu marido" ou a "bruxa da minha mulher" se tornam frequentes, algo não está funcionado...

* Jorge Bucay é um psicodramatista, terapeuta gestáltico e escritor argentino.

Matéria extraída do Jornal Folha de São Paulo [Equilíbrio] em 21/09/10.

Comments

Popular posts from this blog

Pra Rua Me Levar* - e Divagações**

“Não vou viver como alguém que só espera um novo amor,  há outras coisas no caminho onde eu vou.  Às vezes ando só trocando passos com a solidão,  momentos que são meus e que não abro mão.” O que é o tão descrito amor e quais os sentimentos que ele envolve? As pessoas hoje em dia confundem muito – e talvez nem saibam – o que de fato representa o amor. Sem respeito, admiração, companheirismo, cumplicidade, alegria, realização e tantos outros detalhes, o amor nunca pode acontecer plenamente dentro de alguém. Por isso mesmo, o amor compreende muito mais que um único sentimento na vida das pessoas e nunca pode andar divorciado de outras ações. Existem momentos em que somos forçados a andar sozinhos - trocar passos com a solidão. Não porque queremos, mas porque não existe outra opção. Essa caminhada acaba sendo necessária, mesmo porque, a solidão não deve assustar e nem comprometer o sono: Passado algum tempo de aprendizado você passa a se conhecer, aceitar e ser feliz, independente de

O Lado Fatal

I Quando meu amado morreu, não pude acreditar: andei pelo quarto sozinha repetindo baixo: "Não acredito, não acredito." Beijei sua boca ainda morna, acarinhei seu cabelo crespo, tirei sua pesada aliança de prata com meu nome e botei no dedo. Ficou larga demais, mas mesmo assim eu uso. Muita gente veio e se foi. Olharam, me abraçaram, choraram, todos com ar de incrédula orfandade. Aquele de quem hoje falam e escrevem (ou aos poucos vão-se esquecendo) é muito menos do que este, deitado em meu coração, meu amante e meu menino ainda. II Deus (ou foi a Morte?) golpeou com sua pesada foice o coração do meu amado (não se vê a ferida, mas rasgou o meu também). Ele abriu os olhos, com ar deslumbrado, disse bem alto meu nome no quarto de hospital, e partiu. Quando se foram também os médicos e sua máquinas inúteis, ficamos sós: a Morte (ou foi Deus?) o meu amado e eu. Enterrei o rosto na curva do seu ombro como sempre fazia, disse as palavras de amor que costumávamos trocar. O silêncio

La Marioneta de Trapo

Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente, pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e gozaria um bom sorvete de chocolate. Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida, vestiria simplesmente, me jogaria de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saísse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre estrelas um poema de Mario Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos