A dialética nos explica que tudo está em processo. Sempre. A pós-modernidade diz que não há mais identidades, só processos de identificação. Lulu Santos canta que nada do que foi será de novo de jeito que já foi um dia. Cecília Meireles nos lembra que a mudança acontece e, às vezes, nem a percebemos. Quando demos conta, já era. A poetisa diz “Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: em que espelho ficou perdida a minha face?”.
A natureza nos lembra o tempo todo da necessidade de mudar. A cigarra vive sob a terra e um belo dia sobe as árvores para cantar. A lagarta se mete na crisálida e sai de lá outra, como borboleta. E nós, homens e mulheres? Qual será nossa crisálida? Quando saímos de baixo da terra?
Esse texto meio poético e filosófico ganha corpo nesse espaço por um motivo muito especial. Tenho notado que as pessoas têm uma resistência imensa à mudança, como se toda a mudança fosse um plano maquiavélico exclusivamente desenhado para alterar sua vida para pior. Essa leitura se dá, apelando de novo para os poetas, porque “à mente apavora o que ainda não é mesmo velho”. Mexer com o que está aí, com o que é conhecido, é mexer na zona de conforto. Mas a zona de conforto vai contra a natureza humana da mudança. O ser humano tem uma capacidade incrível de se adaptar às situações novas. Pare e pense na sua vida hoje, leitor. O quanto ela é diferente da sua vida há cinco anos. É claro que uns sofrem mais e outro menos no processo de mudança. Mas ela, a mudança, é inexorável. Senão a gente mofa a mente e a alma. Como a mudança é inevitável, tentar lutar contra ela é desperdício. É mais negócio reunir esforços para retrabalhar os processos internos de como reagir a elas.
O nosso real é feito de símbolos. Portanto, o nosso real está sempre passível de mudanças. Há dois termos na moda: flexibilização e resiliência. Ambos se referem à qualidade que uma pessoa tem de se rever no tocante a suas crenças e valores. Quem disse que tem de ser assim sempre? Por que não pode ser de outro jeito? Resumindo: chutar o balde de vez em quando é uma forma de exercitar a exceção que faz a regra. Quanto deixamos de viver, de aprender e de crescer porque, cigarras covardes, não saímos do fundo da terra para cantar? Que lugares bonitos deixamos de ver porque, lagartas acomodadas, não rompemos o casulo como borboletas em direção ao mundo?
Saber-se mutante é saber-se humano. Ser de desejos, de planos, de projetos, de superação de limites. Saber-se parado é saber-se alienado da vida. Etimologicamente, “alienare”, latim, significa “abrir mão de”. Abre-se mão de ser gente. Abre-se mão dos sonhos, que não estão aqui, e dependem das mudanças para acontecer. Ok, mudar às vezes dói. “Às vezes escorre sangue”, diz Clarice Lispector.
Ontem, pensando nas mudanças das últimas semanas, ao fazer a Ana Clara dormir, me peguei cantando: “A vida vem em ondas como o mar: num indo e vindo infinito”. A vida vem e não pede licença. Porque se navegar é preciso, viver não é preciso. Viver é preciso (necessário), mas não é preciso (algo matemático). Fernando Pessoa é genial. Por causa desse “preciso” mal interpretado, muita gente mofa. Qual é o significado de “preciso” que você prefere, leitor?
Sérgio Freire
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