Ouvi essa semana uma frase que me tocou. Dizia uma professora a uma outra: “É, Deusdete. Dói, mas passa”. Não sei qual era a dor da Deusdete, mas a filosofia é legal. A professora havia descoberto a chave-mestra do mundo, quiçá do universo. Tudo dói, mas passa. Observe, leitor amigo, como é verdade.
Para nascer é preciso um parto. Mas a dor passa. E vem o filho, alegria sem igual. O primeiro dente rasga a gengiva. Dói. Mas depois que nasce, passa. Aí crescemos e, traquinas, aprontamos e apanhamos de nossos pais. Quando a chinelada come solta, dói muito. Havaianas na pele fazem um estrago. Depois a dor passa e lá estamos nós a fazer novas traquinagens e a merecer novas sovas.
Crescemos um pouco e nossos hormônios começam a se enxerir. Nos engraçamos da amiga da irmã. Ela, coração de pedra, nem liga. O desprezo na descoberta do amor dói muito. Mas a dor do desprezo passa com o primeiro sorriso daquela outra que se achegou e nos encantou.
Sem entender Marx e suas explicações sobre diferenças sociais, você sente uma dor danada quando vê seu amigo rico com tudo que é o desejo da moçada. Um par de tênis All Star de couro, uma bolsa Tiger vermelha, um videogame Odyssey, uma camisa da K&K. Ok, são exemplos dos anos 80, mas são reais. Quando o seu amigo magnata lhe convida para jogar, você esquece a inveja e tudo passa ao toque do joystick. “Dói, mas passa”.
Namoro sério. Quem você ama diz que não lhe quer mais. Dói muito e parece que não vai acabar mais. Mas passa. Logo você já está na balada de novo. Arranja outra e começa a namorar sério. Esquece que sofreu de amor. Dor? Que dor?
E no sexo? Perder a virgindade, por exemplo, dói de várias formas. A cobrança moral na cabeça, fruto de uma sociedade que cultiva a culpa, dói e angustia ainda muitas jovens na hora agá. Mas passa na primeira poesia sussurrada, na primeira pegada de jeito, na primeira arfada de prazer. A filosofia “dói, mas passa” na questão sexo podia ir além, mas fica para sua imaginação fértil, leitora.
Casamento. A rotina dói, mas passa no afago ao final do dia, num banho a dois com direito a beijos molhados sob a ducha quente. A rotina desaparece no assistir televisão sob o edredom com pés entrelaçados, de conchinha.
A morte de alguém querido, suprema dor. As lágrimas descem involuntárias numa dor que vem da alma e lava com lágrimas o rosto de uma tristeza sem fim. Mas depois dessa sangria com o estilete do destino, a vida volta ao normal. A saudade fica, mas a dor que corrói passa com o tempo. “Dói, mas passa”.
Martelou o dedo? Um dia desincha e passa. Cortou a mão fatiando salame? Cicatriza e passa. Perdeu o emprego? Deus escreve certo por linhas tortas. Daqui a pouco está empregado de novo. A filosofia “dói, mas passa” me convenceu. Serve para tudo. E você, leitor ou leitora? O que está doendo agora? Caia de cabeça no “Dói, mas passa!” e veja a diferença.
Agradeço à amiga da Deusdete. “Dói, mas passa” em tudo daqui pra frente! Sem estresse. Porque tudo na vida passa. Porque tudo que sobe desce. Será que a Deusdete seguiu o conselho da minha guru?
Sérgio Freire
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