“Felizmente não sabemos nada a respeito das coisas que chegam muito perto de nós e nossas vidas e passam sem nos afetar. Se soubéssemos das muitas possibilidades de mudar nosso destino, nossa vida seria excessivamente cheia de esperanças e medos, surpresas e decepções, o que certamente não nos permitiria ter um minuto sequer de paz”.
Assim Nathaniel Hawthorne começa e termina o conto “David Swan”, a história de um rapaz que está viajando a pé de uma cidade a outra. No meio da viagem, cansado, David dorme na grama ao lado da estrada. Muitas pessoas passam por ele durante o sono. Um pastor achou que estivesse bêbado e acaba usando o que viu como exemplo na pregação do domingo, citando os devastadores efeitos do álcool. Um casal de idosos pensou em adotá-lo para que herdasse sua fortuna, já que não tinha filhos. Ladrões por pouco não concretizam um assalto, em que, inclusive, haviam planejado matá-lo se reagisse. David acorda e segue a viagem sem dar conta de tudo que havia passado e que poderia ter alterado sua vida.
Robert Frost escreveu “The road not taken”, (algo como O caminho não escolhido), poema que também fala dos rumos da vida, mas como dependentes das decisões que tomamos ou, na metáfora do poema, das estradas que escolhemos nas bifurcações da existência. Diferentemente de Hawthorne, Frost chama atenção para as escolhas que se apresentam e sobre as quais tomamos ciência. São, pois, duas as possibilidades de mudanças em nossas vidas: uma pelas decisões que o destino escolhe para nós e outra pelas decisões que escolhemos para fazer destino.
Fico pensando nas pessoas que foram colocadas no meu caminho e as que quase foram. Meu primeiro casamento, por exemplo. O que teria acontecido se tivesse tomado a estrada de insistir em mantê-lo, ainda que desgastado? Não teria tido as minhas filhas! Quem foram os amores que a vida me trouxe eu não pude viver? Por que passaram por mim por um triz? E se eu tivesse morrido no acidente de 1999? Quem ficaria com minha vaga no doutorado da Unicamp? A vida dessa pessoa mudaria por conta do meu acidente?
De um simples fato, combinando se’s, exponenciam-se possibilidades. Pare e pense na infinita análise combinatória dos “e se’s” de sua vida, leitor. Se mudasse uma coisinha lá trás, todo o resto que veio depois também mudaria. É o chamado efeito borboleta: o bater de asa da borboleta no Brasil afeta a trajetória de um ciclone no Taiti.
O quadro que retrata nossa vida, pintado por Deus, é como o Guernica, pintado por Picasso. Ninguém entende de primeira. Resta-nos a paciência para saber se abrir para a inspiração para poder vê-lo com os olhos do artista e assim achar o detalhe daquele sorriso escondido atrás do cavalo morto. Dar sentidos aos traços divinos leva tempo. Às vezes nem conseguimos.
É como diz Hawthorne: “Felizmente não sabemos nada a respeito das coisas que chegam muito perto de nós e nossas vidas e passam sem nos afetar. Se soubéssemos das muitas possibilidades de mudar nosso destino, nossa vida seria excessivamente cheia de esperanças e medos, surpresas e decepções, o que certamente não nos permitiria ter um minuto sequer de paz”.
Sérgio Freire
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