Tem aquelas pessoas de quem a gente é fã, mesmo não compactuando com o comportamento delas quando os holofotes se apagam. É o caso da Amy Winehouse, por exemplo, que acabou se envolvendo com drogas de uma maneira descontrolada e que por causa disso coleciona episódios deprimentes de internações, vexames públicos e risco de vida.
Se eu lesse um livro que reunisse entrevistas dessa inglesa pancada das ideias, provavelmente não me identificaria muito com ela. Ainda assim, sua privacidade não é da minha conta, portanto nada me impede de considerá-la um dos melhores acontecimentos musicais dos últimos anos: é uma cantora de personalidade única e com um repertório classudo - eu certamente estaria na fila do gargarejo se Amy fizesse um show por aqui, mesmo correndo o risco de ela cair desmaiada sobre minha cabeça e eu ter que carregá-la de volta pro camarim.
E tem aquele outro tipo de artista que nos ganha por completo: a gente admira não só sua obra, mas sua visão de mundo também, o que estabelece um caso de amor eterno, que é o que rola entre mim e Woody Allen – por enquanto, um caso de amor unilateral porque ele ainda não sabe da minha existência, mas deixe saber. Além de muitos DVDs, tenho alguns livros sobre ele, e adicionei à minha coleção o "Conversas com Woody Allen", que reúne uma série de entrevistas que ele concedeu ao longo dos últimos 40 anos ao jornalista Eric Lax, e de onde se podem extrair declarações do tipo: “Eu gostaria de fazer um grande filme, desde que isso não atrapalhe a minha reserva para o jantar”. A despeito de sua modéstia – ele já fez dúzias de grandes filmes – o que me seduz nessa declaração é que ele revela ser do tipo que não coloca o trabalho à frente da vida pessoal, não sacrifica seus prazeres mundanos, não vira noites nem adoece por causa de um ofício que, por mais importante que seja, não vale um encontro com o namorado ou um almoço no dia do aniversário do filho.
Eu desconfio muito de quem não valoriza o seu ócio predileto e acaba virando gângster de si mesmo. Até podem ganhar prêmios com sua dedicação inumana, mas perdem todo o sabor da vida. São profissionais competentes, por um lado, mas incompetentes por não reconhecerem a importância de alcançar uma certa vadiagem responsável, que é como eu chamo o “trabalhar sem se matar”.
Quando fui publicitária, em priscas eras, meus colegas ficavam fulos ao me ver dando tchau às sete da noite e voltando pra casa sem um pingo de remorso, enquanto eles ficavam até altas horas fazendo não sei bem o quê – provavelmente o que fazem até hoje. Tirando algumas ocasiões excepcionais, em que realmente o trabalho exige hora extra, o resto é tempo desperdiçado em reuniões inúteis e enrolação de quem não tem nada melhor pra fazer nas suas horas livres.
Nesse mesmo livro, Woody Allen aconselha todo mundo a trabalhar, claro, mas recomenda que se divirtam com o processo, que não deem bola para o que os outros dizem e que, por mais gratificante que seja ganhar dinheiro, não se deixem levar por ilusões de grandeza. Menos vaidade, mais prazer. Não estivesse ele comprometido e ligeiramente fora do meu alcance, eu o convidaria para jantar.
Martha Medeiros
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