Antigamente era tarefa simples nomear o que era e o que não era cafona. As coisas eram mais definidas. Hoje não. Experimente perguntar às pessoas o que elas acham que seja cafona. Você terá de tudo, menos unanimidade. O próprio termo cafona ficou tão cafona que teve de ser substituído. Hoje fala-se brega. E o que não é brega é chique. Por sinal, chique já é um termo meio brega e de nada adianta grafar chic, a breguice continua. Exatamente porque o esforço em parecer chique conduz inevitavelmente ao brega. Aqueles passeios à ilha de Caras que o digam.
Particularmente, assumo que sou chegado numas breguices sim. Acho Odair José o má-xi-mo. Vibrei com Ovos de ouro, do Bigas Luna. Gosto de Abba, Almodovar, cabaré de interior, morro de saudade do Irapuan Lima e sou fã daquelas peruas de novela mexicana que usam bolas de natal como brinco e o cabelo não desmancha nem com o presídio pegando fogo. Depois dessa confissão, talvez você não me considere devidamente apto a falar de breguice. Mas é justamente isso: hoje ninguém está livre do rótulo brega. Remexa nos gostos de alguém e acabará encontrando uma breguice aqui ou acolá.
A breguice é um fenômeno danado pra escapulir de qualquer definição. Veja o Raul Seixas. É brega ou chique? Tipo da coisa indefinível. Raulzito toca tanto em festinha cabeça quanto em festão de cobertura quanto em cabaré. E as edições do Sociedade Emergente? Argh! Mas tem quem pague pra ter seu nome nela. E Carla Perez? Pra maioria das mulheres ela deve ser o cúmulo da breguice, já pros homens... E muito do que antes era brega, hoje não é mais; foi redimido. Pingüim na geladeira e Batman & Robin de tão bregas viraram kitsch - é assim que se escreve isso? Sandália havaiana, aquela que não solta as tiras, quem diria, hoje é chique - minha avó não acreditaria. E Rosane Collor, meu Deus!... Rosane Collor ao som de Leandro e Leonardo! Quem nos preveria algo tão constrangedor? Pois houve e, como tem gosto pra tudo, periga haver de novo, sei lá...
Certos termos mudaram apenas de roupa mas foi o suficiente pra escapar da breguice. Calção de praia virou sunga. Keds virou tênis. Eletrola virou vitrola que virou radiola que virou toca-disco que não virou nada porque chegou o CD player pra acabar com a festa. Por sinal, os CDs já foram mais chiques. Pelo jeito chegará o dia em que teremos de escondê-los no armário.
Coisa mais brega que parar o carro num bar, abrir as portas e mandar ver axé music? Ah, meu São Francisco do ouvido cansado, não tem. Devia ser caso de deportação. “Coisa de primeiro mundo” é muito brega, não? “Você sabe com quem tá falando?” é outra pérola da breguice. Garotão de academia brigando em boate? Breguíssimo. E homem que tem mania de ficar pegando naquilo o tempo todo? Naquilo dele, seja bem dito. Horrível. E mulher que chama a outra de mulherzinha?
Em compensação existem umas coisas que são bregas mas têm lá sua simpatia e poderia-se até dizer que são imprescindíveis mesmo. Veja o caso daqueles calendários de borracharia. Imagina uma borracharia sem calendário de mulher? Inviável. Pode ir logo desacreditando da seriedade da firma. Eu sei que certas mulheres se constrangem em entrar e se ver de repente ao lado daquela lambisgóia oferecida e em tamanho natural empunhando um possante amortecedor... Mas é assim mesmo, faz parte do universo dos pneus e câmeras de ar. Borracharia não é lugar pra se discutir a manipulação machista da imagem feminina, paciência. Tem-se de olhar a coisa com carinho e compreensão. É mais ou menos como aqueles retratinhos de São Cristóvão que motorista de táxi gruda no console, com a mulher dum lado, o filhinho do outro e a frase: Pai, dirija com cuidado. É brega mas faz parte, não faz?
Conselho: desconfie de tudo que passa a ser chique. É um passo pra virar brega. Veja o caso das rádios FM. Nasceram tão chiques e acabaram conseguindo o que parecia impossível: ser mais brega que as AM... É bom ficar de pé atrás com os concursos de miss - depois que elas deixaram de ler O pequeno príncipe, tudo pode acontecer. E desconfie também daquilo que se auto-intitula brega. Falcão por exemplo não tem nadica de brega, todo mundo sabe. Brega mesmo são essas duplas sertanejas com seus nomes inacreditáveis, tipo Gianini e Jean Nini, e suas calças apertadas que - irgh! -, dão agonia só de ver. Aliás, se lhe apertassem os fundilhos daquele jeito, o cidadão certamente berraria do mesmo jeito.
Vivemos mesmo tempos estranhos. São tempos em que conceitos como brega e chique se invadem sem cerimônia e tudo se torna indefinível. Imagine que até o Festival de Montreux abriu sua sagrada neutralidade suíça para Carla Perez, que coisa! Adoro a Carlinha mas aquilo sim foi o fim do mundo.
Fim do mundo? Que nada. Se as sete trombetas não soaram nessa noite em Montreaux, então liberou geral, o gerente endoidou e o preço baixou, olha os óculos piscantes de Miami aí gente, tem filme novo do Almodovar, cada um escandalize o mundo com sua breguice e me traz por gentileza um conhaque Dreher e se não for pedir muito me põe na vitrola esse disco aí do Roberto Carlos. Tá arranhado? Melhor ainda
Ricardo Kelmer
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