Já fui criança e acreditei que poderia voar se corresse o suficiente. Soltei pipa e balão japonês, joguei bola de gude e pião, brinquei com fogo. Nunca aprendi a andar de skate, patins inline e sufar - mas um dia aprendo.
Já ouvi histórias assustado, acreditei em fantasmas e só os conheci quando me tornei adulto.
Já ouvi histórias assustado, acreditei em fantasmas e só os conheci quando me tornei adulto.
Já fiz gaivota de papel, desenhei o espaço numa folha em branco, soprei bolha de sabão com galhos de mamoeiro e deixei que elas, coloridas, levassem meus sonhos aos céus.
Já tive beijos roubados, abraços inesperados, empurrões abruptos, olhares expressivos, mãos vazias pela ausência da pessoa querida...
Já esperei ansioso minha mãe terminar a massa do bolo para raspar a panela, comi brigadeiro antes de ficar pronto, bebi água gelada com a boca no gargalo da garrafa, tive dor de barriga por tomar caldo de cana quente, debulhei milho no galpão de fazenda.
Já acampei em uma ilha, pesquei à noite na praia tendo a companhia do lampião à gás, andei a cavalo pelo mato sozinho, dirigi minha motocicleta por lugares desconhecidos, conduzi meu carro pela estrada sem saber onde chegaria - e até hoje não sei o caminho certo.
Tentei esquecer pessoas. Tentei recordar outras e aprendi que a memória fraca é uma virtude.
Já dobrei a bainha da calça jeans e fui molhar os pés no mar no intervalo do trabalho. Fiquei embaixo da chuva pra disfarçar meu choro. Tentei me mostrar forte para ser homem. Abracei meus sonhos enquanto acordava e tentava, em vão, retornar pra eles. Toquei em meu violão uma música feita por mim que nunca mostrei pra ninguém.
Já tive espinhas no rosto, ralei o joelho quando caí de bicicleta, esfolei a mão pulando muro, tive bolhas por causa do sol, precisei dormir em hospital, mas para a pior dor ainda não descobri o remédio.
Fugi de casa para morar ao lado, bebi demais e acordei debruçado na janela, escrevi cartas de amor, mandei cartões para amigos, morri de amor e renasci no dia seguinte, tive meus dias iluminados por sorrisos e aprendi a aceitar a verdade que dói.
Já sentei na beira da praia e fiquei contando as ondas, deitei na grama e contei estrelas, olhei a floresta e contei as folhas, olhei para pessoas e contei anos, perdi a conta das alegrias que tive na vida.
Já vi meus filhos dormindo em meus braços, ouvi uma canção de uma palavra só: Papai. Já chorei com a dor deles na hora da vacina - ou picadinha da formiga.
Já deitei no colo de minha vó, me emocionei com uma só palavra de minha mãe, sinto até hoje falta do meu pai, agradeço todos os dias pelas minhas irmãs e me fascino com cada centímetro acrescido à altura de meus filhos.
Parte das recordações guardo com a máquina, outra parte no coração, e parte disso tudo sou eu que permaneço um pouco em tudo que paro, penso e faço.
Alexandre Barreto [Calvin]
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