Sempre ouvi falar que algumas épocas, lugares ou circunstâncias podem servir como gatilho para sentimentos ruins. Quem nunca conheceu alguém que associa o Natal a ausência de um ente querido?!? Que se entristece no dia dos pais ou mães por não ter mais sua referência ao lado?!?
Em um nível mais avançado de resgate da dor, podemos transferir para um determinado biotipo de pessoa as decepções do passado. Deixamos de nos envolver com pessoas com características físicas específicas achando que a capa é quem define o conteúdo. Assim, criamos preconceitos sobre quem presta ou não para uma nova chance na vida da gente.
Existem ainda os mais místicos que são levados a crer que pessoas com signos determinados irão ajudar ou atrapalhar nas suas vidas; combinam ou são opostas ao seu jeito de ser.
Li certa vez que pensamentos ruins podem ser evitados se aprendemos a lidar com nossas emoções. O cérebro teria portas que seriam abertas voluntária ou involuntariamente, e assim, quando sem querer uma porta com um sentimento ruim fosse aberta, bastaria resgatar em nossa mente uma boa lembrança para que o sentimento incômodo retornasse para o esquecimento.
Costumo criar minhas próprias regras e me acostumei a guardar pequenos souvenirs de lugares que me aquecem a alma.
Certa vez, descobri numa viagem, meio que por acidente, um lugar maravilhoso. Era uma praça onde predominava a presença de famílias. Crianças corriam, patinavam, sorriam. Famílias inteiras se juntavam em mesas para conversar e lanchar. A trilha sonora era embalada por músicas de Natal ao fundo e era uma linda tarde ensolarada.
Viajava sozinho e cada descoberta desse tipo provocava em mim reações diferentes: Um sorriso involuntário, um sentimento de gratidão, a vontade de compartilhar com quem amava e o desejo de eternizar tudo aquilo - guardar pra sempre.
Este último desejo consegui realizar tirando algumas fotos, mas confesso que ainda era pouco. Minha alma queria mais daquele lugar. Me levantei então e comecei a andar novamente por toda praça. Haviam trailers de alimentação, livros, artesanato, tinha de tudo ali.
Mas um pequeno espaço me chamou a atenção: um atelier de óculos. Ao entrar fui muito bem recebido por um jovem que me apresentou alguns modelos, mas não demorou muito para que eu escolhesse o que eu queria. Na verdade, encontrei um modelo que já havia desistido de procurar, e justamente ali, naquela praça, ele me encontrou.
Paguei por ele, e muito embora fosse um óculos para uso com lentes de correção visual (grau), veio com lentes transparentes que me permitiram usá-lo.
Retornei então para o mesmo banco em que estava antes e coloquei os óculos novos. Parecia que com eles enxergava mais claramente a magia daquele lugar. Os sorrisos, gestos, abraços...
Percebi que não estava enxergando fisiologicamente melhor, estava só revivendo e tentando abraçar aquele momento mágico da vida.
Foi aí então que notei que na vida nem tudo é tão ruim ou tão bom. A vida simplesmente é. Eu poderia lamentar por estar ali sozinho, reclamar do frio ou ficar triste por não saber patinar. Mas meu coração me fez perceber uma única coisa quando olhei a vida através daqueles óculos sem grau: Se nós escolhemos um lugar para os nossos olhos repousarem, podemos também escolher onde nossos pés vão nos levar e quem nosso coração pode receber.
Desde então, sempre que acontece alguma coisa não tão legal na minha vida, uso meus óculos daquela tarde linda às vésperas do Natal.
Você pode até não acreditar, mas com meus óculos eu consigo voltar a ouvir aqueles sorrisos.