Mentira é essencial. Ninguém vive sem ela. Sobreviver é até possível mas a qualidade da existência pode ser um tanto prejudicada - e a vida social, destruída.
Honestidade completa só existe na mente ideológica e iluminada de seres diáfanos - elfos, duendes, anjos da guarda -, no medo congelante daqueles que temem o inferno ou no discurso de ingênuos o bastante para crer no maniqueísmo da psique. Mas a vida não é assim tão simples.
Sinceridade total é um mito criado por pessoas tão fracas que não conseguem arcar com o peso de seus desejos, decisões, da sua sombra. A angústia em lidar com o que não suportam e não controlam é tanta que a única saída é jogar, transferir o ônus da resolução. “Mas eu fui sincero” é frase corriqueiramente proferida por experts em se esquivar da própria culpa. É apenas um meio egoísta e vil de sair de uma história como o bonzinho corajoso. É uma necessidade patológica de sentir-se com a consciência tranquila, não importando se o outro ficará devastado pelo que ouviu.
Já menti. Algumas vezes, para me poupar de dores de cabeça. Em outras, por simples malandragem - nessas, me arrependi: também não acredito que a mentira seja um vestido preto para ser usado em todas as ocasiões. Mas, a maioria, por saber que a verdade seria cruel e, pior, inútil. Creio que uma relação precisa ser construída com base na confiança e traço o meu caminho desta forma. Mas também creio que essa mesma relação precisa de espaços individuais, áreas nas quais o parceiro não entre, por puro respeito. Dois não viram um quando estão juntos. Dois continuam dois porque, do contrário, serão aniquilados e transformados em uma massa amorfa, uma liga sem força nem identidade. Quando esse território privado é invadido pela insegurança alheia, ou por uma vontade incessante de agradar o parceiro, o que acontece, cedo ou tarde, é o nascimento da raiva. Porque, convenhamos, não dá pra ser feliz com a obrigação de partilhar cada pensamento. Não dá para ser feliz sendo monitorado, avaliado. Não dá para ser feliz estando, a todo instante, numa vitrine.
Eu sei que o homem que está ao meu lado tem desejo por outras mulheres. Ele é humano, assim como eu. Se eu gostaria que ele me contasse em detalhes como sonha transar com sua musa? Não, odiaria. Por isso não pergunto. Evito ouvir uma verdade que me machucaria ou fazê-lo mentir para me agradar.
Honestidade absoluta é mais letal do que a mentira: é quase impossível odiar quem se põe na situação de ser desculpado. É muito fácil odiar a si mesmo por não desculpar.
Mentira é um estrondoso tiro de fuzil. Honestidade absoluta, uma lenta intoxicação por chumbo. Mas ambas matam.
Ailin Aleixo
Revista Alfa
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