Meu marido solta pêlo: os azulejos brancos do chão do banheiro ganham, toda manhã, desenhos abstratos feitos de pequenas espirais negras que insistem em grudar no meu pé (só ando descalça em casa e sempre termino com coisas estranhas entre os dedos). É tão peculiar que merecia ser instalação da Bienal.
Eu tenho mania de limpeza.
Uma das minhas gatas, toda vez que não posso (ou não quero) dar carinho a ela, vai direto pra pia do banheiro e, em ato de protesto, faz cocô. Daqueles inspirados.
Ele, até pouco tempo, desprezava felinos.
Ele tem um filho de pouco mais de um ano que, a cada quinze dias, passa o final de semana com a gente.
Eu, até ontem, gostava de criança há cinco quarteirões de distância.
A família dele é grande, cheia de cunhados, pimpolhos e agregados, e adora passar feriados na chácara, à beira da piscina, fazendo churrasco e tomando cerveja.
Eu tenho tendência a solidão.
Ele ama carros, guitarra e motos.
Eu, televisão, livros e Woody Allen.
No carro, ouve Iron Maiden no último volume.
Eu ouço John Pizzarelli, baixinho.
Tínhamos tudo pra dar errado. Mas damos certo.
Tínhamos tudo para nem pensarmos em uma vida em comum, mas ambos trazem algo em si que nos fez rir das (aparentemente) problemáticas diferenças e construir uma deliciosa vida juntos: estamos no segundo casamento.
A vitória da esperança sobre a experiência? Pode até ser, mas prefiro acreditar que se trata mais de ter aprendido, com o dia-a-dia, que se ater a detalhes dissonantes é um atalho bom à beça pro precipício.
Viver com alguém é muito mais do que compartilhar experiências passadas comuns: é ter o desejo quase incontrolável de ter experiências futuras comuns. Não é pensar ter encontrado quem louve tudo o que amamos e odeie tudo o que desprazamos - isso é narcisismo, não casamento. Estar casado é respeitar os maus humores, deixar passar comentários sabidamente imbecis ou atitudes impensadas. É gostar de acordar ao lado, respeitar o desejo de solitude ocasional (e não tomar isso como uma confissão de repulsa). Estar casado é saber a hora de prestar atenção e o momento de se fingir de morto.
Questão de referencial
O segundo casamento é mais leve, apesar de ambos terem mais carga.
Traz os medos de repetir os erros do primeiro, mas também a vontade de não cometê-los.
Aumenta a maleabilidade e diminui a petulância. Dá a dimensão exata do que é compartilhar a vida com alguém - e também a de que a mesma não acaba se essa pessoa for embora.
O segundo casamento ri de si mesmo porque sabe que é bem melhor do que chorar ou xingar. Ele carrega o know-how do primeiro e preserva a inocência do pra sempre.
Jamais me casei pensando em me separar, nem sou daquelas mulheres que constróem muros emocionais para se proteger da vulnerabilidade que o amor carrega; apenas sou prática e crédula o bastante pra sacar que, se uma coisa acaba, é porque outra vai começar. Outra melhor, mais brilhante, completa. Não somos obrigados a acertar de primeira, e não é nenhum demérito tentar de novo. Não é nenhum pecado ser feliz, mesmo se a pessoa que viveu conosco ainda acreditar piamente nisso.
O segundo casamento me deu a lição que me fez uma mulher menos encanada e briguenta e muito mais zen: se ele solta pêlo, bem que eu posso calçar os chinelos.
Ailin Aleixo
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